Acho que quem me conhece a algum tempo já sabe o quanto me irrito quando me vem alguem com aquela opinião já formada do estilo "preso tem é que sofrer mesmo!!!". Talvez porque tive contato com a realidade das prisões - trabalhando na defensoria - vi o quanto é importante a tentativa de recuperação dos presos. Até porque, um dia eles vão sair, e acreditem, é muito melhor que eles não saiam revoltados com o mundo, porque é com você e seus familiares que ele vai passar a conviver aqui fora.
A notícia abaixo, mostra a ponta de um iceberg que é a recuperação de presos. Cadeia não é vingança, é recuperação.
"Cine xadrez" aproxima presos rivais no Rio de Janeiro
MÁRCIA BRASILda Folha de S.Paulo, no Rio
O que parece ficção --a convivência pacífica entre facções rivais do crime no Rio-- começa a ocorrer em uma carceragem de delegacia da Baixada Fluminense graças ao cinema, à música, à literatura e à poesia.
Nos últimos quatro meses, quinzenalmente, a cadeia da 52ª Delegacia de Polícia, em Nova Iguaçu, tem se transformado no "Cine Clube 52ª", em que documentários, filmes e curtas-metragens são exibidos, seguidos de palestras e shows ao vivo, para cerca de 300 detentos à espera de julgamento.
Os presos integram, em sua maioria, duas facções inimigas de morte em todo o Estado: o CV (Comando Vermelho) e o TC (Terceiro Comando).
Eles se espremem em dois galpões de 70 m2. Tráfico e assalto a mão armada são os crimes mais freqüentes que os levaram até ali. Não há registro de rebeliões ou confrontos na delegacia neste ano.
Embora as exibições de filmes sejam separadas nos dois galpões, as diferenças entre rivais vêm diminuindo e, em alguns casos, há até aproximações por conta das atividades.
Situada em Nova Iguaçu, onde há pouco mais de dois anos 29 pessoas foram assassinadas na maior chacina da história do Rio, a revolução no cárcere é fruto de parceria entre o delegado-titular, Orlando Zaccone, e artistas como o músico Marcelo Yuka, o rapper BNegão, Tico Santa Cruz (vocalista dos Detonautas), além da Companhia do Cinema Barato.
O projeto, chamado de "Carceragem-Cidadã", não se restringe ao cinema e aos debates. Na delegacia também foi criada uma biblioteca com ao menos mil livros. Ali é editado um jornal feito pelos presos, "O Sol Quadrado Também Brilha!".
A geração de renda entra como um componente fundamental nesse processo de transformação. As "quentinhas" em que são servidas as refeições viraram fonte de recursos, com a venda das embalagens para reciclagem. A renda é gerida pelos presos e vai para uma "caixinha" que ajuda a comprar material de limpeza, de higiene pessoal e se destina, principalmente, para aqueles que não têm ajuda da família.
O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, apóia a iniciativa do delegado Zaccone.
"Eu tenho dito sempre que segurança pública não é só responsabilidade da polícia. Tem que contar com a participação da sociedade e de outras instâncias do governo. Um exemplo é o esforço do delegado de Nova Iguaçu. Esse trabalho ultrapassou as paredes da delegacia. É assim que as coisas têm que acontecer para dar certo."
No cineclube, os presos já viram filmes como "Pelé, Eterno", documentário sobre o jogador, "Cafundó", de Paulo Betti e Clóvis Bueno, sobre um tropeiro e ex-escravo do século 19, "Click", uma comédia americana, e "Bezerra da Silva - Onde a Coruja Dorme", documentário de Márcia Derraik e Simplício Neto.
Clima sombrio
Na "ante-sala" da carceragem, o normalmente clima sombrio de uma unidade policial ganha ares de biblioteca. Estantes de ferro repletas de livros que vão dos clássicos da literatura até os de auto-ajuda, passando pelas mais diferentes edições da Bíblia e do Código Civil, deixam o corredor bem mais leve e colorido.
Na carceragem da 52ª há um ano e um mês à espera de julgamento pela acusação de assalto à mão armada, Davidson Pereira Farias, 24, faz elogios. "O que eu quero mesmo é sair daqui. Sinto muita falta da minha família. Mas, enquanto espero, é muito bom assistir a filmes e ter contato com o mundo lá fora, com gente diferente. Quando tinha liberdade, eu gostava de ir ao cinema", afirma.
Perguntado sobre o que pensa do trabalho de Marcelo Yuka, que ficou paraplégico em meio a um crime semelhante ao do que é acusado, Farias abaixa os olhos. "Acredito que as pessoas boas e as que conseguem perdoar existem. Ele [Yuka] é uma delas. É muito bom receber ajuda dele."
Com um exemplar de "A Relíquia", do escritor Eça de Queiroz, Antônio José dos Santos, 38, diz que as manifestações culturais lhe deixam confiante. Ele está sendo julgado sob acusação de tráfico de drogas.
"Estou aqui há quatro meses e essas atividades me deixam com esperança de que logo estarei de volta para casa. Gosto muito de ler e fiquei surpreso quando vi que a carceragem conta com uma biblioteca. Estou sempre lendo. A música também dá ânimo. Seria muito bom se todos os dias fossem movimentados como hoje", diz.
MÁRCIA BRASILda Folha de S.Paulo, no Rio
O que parece ficção --a convivência pacífica entre facções rivais do crime no Rio-- começa a ocorrer em uma carceragem de delegacia da Baixada Fluminense graças ao cinema, à música, à literatura e à poesia.
Nos últimos quatro meses, quinzenalmente, a cadeia da 52ª Delegacia de Polícia, em Nova Iguaçu, tem se transformado no "Cine Clube 52ª", em que documentários, filmes e curtas-metragens são exibidos, seguidos de palestras e shows ao vivo, para cerca de 300 detentos à espera de julgamento.
Os presos integram, em sua maioria, duas facções inimigas de morte em todo o Estado: o CV (Comando Vermelho) e o TC (Terceiro Comando).
Eles se espremem em dois galpões de 70 m2. Tráfico e assalto a mão armada são os crimes mais freqüentes que os levaram até ali. Não há registro de rebeliões ou confrontos na delegacia neste ano.
Embora as exibições de filmes sejam separadas nos dois galpões, as diferenças entre rivais vêm diminuindo e, em alguns casos, há até aproximações por conta das atividades.
Situada em Nova Iguaçu, onde há pouco mais de dois anos 29 pessoas foram assassinadas na maior chacina da história do Rio, a revolução no cárcere é fruto de parceria entre o delegado-titular, Orlando Zaccone, e artistas como o músico Marcelo Yuka, o rapper BNegão, Tico Santa Cruz (vocalista dos Detonautas), além da Companhia do Cinema Barato.
O projeto, chamado de "Carceragem-Cidadã", não se restringe ao cinema e aos debates. Na delegacia também foi criada uma biblioteca com ao menos mil livros. Ali é editado um jornal feito pelos presos, "O Sol Quadrado Também Brilha!".
A geração de renda entra como um componente fundamental nesse processo de transformação. As "quentinhas" em que são servidas as refeições viraram fonte de recursos, com a venda das embalagens para reciclagem. A renda é gerida pelos presos e vai para uma "caixinha" que ajuda a comprar material de limpeza, de higiene pessoal e se destina, principalmente, para aqueles que não têm ajuda da família.
O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, apóia a iniciativa do delegado Zaccone.
"Eu tenho dito sempre que segurança pública não é só responsabilidade da polícia. Tem que contar com a participação da sociedade e de outras instâncias do governo. Um exemplo é o esforço do delegado de Nova Iguaçu. Esse trabalho ultrapassou as paredes da delegacia. É assim que as coisas têm que acontecer para dar certo."
No cineclube, os presos já viram filmes como "Pelé, Eterno", documentário sobre o jogador, "Cafundó", de Paulo Betti e Clóvis Bueno, sobre um tropeiro e ex-escravo do século 19, "Click", uma comédia americana, e "Bezerra da Silva - Onde a Coruja Dorme", documentário de Márcia Derraik e Simplício Neto.
Clima sombrio
Na "ante-sala" da carceragem, o normalmente clima sombrio de uma unidade policial ganha ares de biblioteca. Estantes de ferro repletas de livros que vão dos clássicos da literatura até os de auto-ajuda, passando pelas mais diferentes edições da Bíblia e do Código Civil, deixam o corredor bem mais leve e colorido.
Na carceragem da 52ª há um ano e um mês à espera de julgamento pela acusação de assalto à mão armada, Davidson Pereira Farias, 24, faz elogios. "O que eu quero mesmo é sair daqui. Sinto muita falta da minha família. Mas, enquanto espero, é muito bom assistir a filmes e ter contato com o mundo lá fora, com gente diferente. Quando tinha liberdade, eu gostava de ir ao cinema", afirma.
Perguntado sobre o que pensa do trabalho de Marcelo Yuka, que ficou paraplégico em meio a um crime semelhante ao do que é acusado, Farias abaixa os olhos. "Acredito que as pessoas boas e as que conseguem perdoar existem. Ele [Yuka] é uma delas. É muito bom receber ajuda dele."
Com um exemplar de "A Relíquia", do escritor Eça de Queiroz, Antônio José dos Santos, 38, diz que as manifestações culturais lhe deixam confiante. Ele está sendo julgado sob acusação de tráfico de drogas.
"Estou aqui há quatro meses e essas atividades me deixam com esperança de que logo estarei de volta para casa. Gosto muito de ler e fiquei surpreso quando vi que a carceragem conta com uma biblioteca. Estou sempre lendo. A música também dá ânimo. Seria muito bom se todos os dias fossem movimentados como hoje", diz.
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